sexta-feira, fevereiro 27, 2009

ROBERTO ROSSELLINI



Nasceu em 1906 em Roma, onde morreu em 1977. Na memória dos cinéfilos (críticos, cineclubistas) portugueses, que participaram nos movimentos culturais cinematográficos do pós-guerra até aos anos 70, subsiste a velha querela que, no interior do neo-realismo – tanto aqui como no estrangeiro – opunha as tendências rosselliniana (de raiz metafísica) e viscontiana (de empenhamento marxista), tendo como centro de gravidade os paradigmas da poética de Zavattini, reconhecido guru do neo-realismo. Paradigmas que, no essencial, e de irrefutada modernidade, consignavam o recurso aos cenários naturais, sobretudo exteriores; ambientes populares e miseráveis; actores não profissionais; a representação do real a partir de factos verídicos, ainda que ‘fait-divers’. Um cinema de crónica.
Se na órbita dessa poética zavattiniana, De Sica realizou duas indiscutíveis obras-primas (“Ladrões de Bicicletas”, 1948, e “Humberto D”, 1951), o discurso rosseliniano desliza para o espiritualismo e a religiosidade, na companhia de outros cineastas, de talento díspar, como F. Fellini, A. Lattuada, L. Zampa, P. Germi, L. Comencini. Do outro lado da barricada, moral e ideologicamente, a perspectiva materialista que com Visconti (“Ossessione”, 1943, “La Terra Trema”, 1950, e “Belíssima”, 1951) se desenvolve enquanto denúncia das raízes mais profundas da injustiça social e luta pela vontade de mudar o mundo numa tomada de consciência que só pode ter carácter colectivo. O acólito mais eminente foi, sem dúvida, Giuseppe De Santis (“Caccia Trágica”, 1948, “Arroz Amargo”, 1949, “Não há Paz entre as Oliveiras”, 1950). Mas a lição de Visconti abre, sobretudo, para a modernidade e o singular discurso de um Michelangelo Antonioni.

A Trajectória rosselliniana

Autor de documentários no período fascista, colaborador de um filme de guerra supervisionado pelo próprio filho de Mussolini (“Luciano Serra, pilota”, 1938), realizador de longas-metragens (“La Nave Bianca”, 1941, “Un pilota ritorna”, 1942, “L’Uomo dalla croce”, 1942), filmes oficiais de encomenda em que a propaganda fascista é disfarçada por um ambíguo pacifismo, o labor cinematográfico de Rossellini na derradeira década do consulado mussoliniano em nada fazia prever a explosão de “Roma, Cidade Aberta” (1945) e “Libertação” (1946) – filmes que marcam historicamente o nascimento do neo-realismo italiano – não considerando “Ossessione” (1943), de L. Visconti – testemunhos dolorosos do sofrimento, morte e sobrevivência de um povo humilhado, mensagens de esperança e de fraternidade expressas de forma espantosamente pura, distante do caligrafismo e do pendor melogramático, dois veios que nunca deixaram de penetrar o território fílmico transalpino, que nunca deixaram de alimentar potentes tendências do cinema italiano do pós-guerra.
Para Rossellini, o cinema era, sobretudo, “a inocência e a inteligência do olhar.”, o que o opunha – para além de indesmentíveis divergências ideológicas – ao rigor estético de Visconti ou mesmo ao populismo de De Sica.
Ao suicídio de um jovem (“Alemanha, Ano Zero”, 1947), sucede o espiritualismo cristão (“Amor”, 1948, e “O Santo dos Pobrezinhos”, 1950), a commedia del’arte (“La maccquina ammazzacattivi”, 1952), a fábula satírica (“Onde Está a Liberdade?”, 1953, com Totó). Provavelmente o menos neo-realista de todos os neo-realistas, só retomará essa temática passados quinze anos, com “O General Della Rovere” (1959) e “Era Noite em Roma” (1960), precisamente quando decide enveredar pela carreira televisiva.
O casamento com Ingrid Bergman e os filmes com que celebrou o enlace (“Stromboli”, 1949, “Europa 51”, 1952, “Viagem a Itália” e “O Medo”, ambos de 1954), obrigam a recorrer à co-produção. Rossellini mantém o despojamento estilístico ante os dramas dos escombros físicos e morais da guerra; a liberdade através de Deus corporizada em Ingrid Bergman, a sua heroína; os apólogos, ao mesmo tempo realistas e fabulistas, próprios do comportamento franciscano; as soluções contraditórias de uma Europa que procura reerguer-se das ruínas no rescaldo da luta pela liberdade contra a opressão. Ou seja. Rossellini não se confina aos limites da sua Itália (território e povo): ao longo de quase duas décadas recorre a personagens estrangeiras para nos restituir o “olhar” pessoal sobre um mundo em mudança. O fracasso total do seu derradeiro filme, “Anima Nera” (1962) leva-o a abandonar definitivamente o cinema e a escolher um novo modo de expressão: a televisão.
“Viva Itália” – com que encerramos o ciclo – marca o seu primeiro trabalho televisivo.
Rossellini opta assim por uma outra preocupação: o didactismo.
Do mesmo passo procura não só reflectir a nova tecnologia da imagem, mas também, e sobretudo, reflectir sobre os limites e as virtualidades de uma caixa que potencialmente permite a entrada do mundo em nossa casa.

Manuel Neves.

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