Um filme em treze partes e um epílogo
Rainer Werner Fassbinder fala da novela “Berlin Alexanderplatz”:
“... Um antigo trabalhador dos transportes, Franz Biberkopf, é libertado da prisão, onde passou quatro anos pelo assassínio da sua antiga namorada, Ida. Durante a terrível situação económica de Berlim nos anos vinte, Ida havia-se prostituído por ele. Como um ex-condenado, ele começa por indiciar os perigos potenciais do costume, dos quais finalmente se liberta quando tente violar a irmã da sua vítima. Na sequência, revela-se capaz de encetar uma relação com Lina, rapariga polaca, e fá-lo de tal forma que ela acredita tratar-se de amor, levando Franz a jurar manter-se decente a partir daí. A sua situação financeira é terrível e todas as tentativas de obter uma situação estável falham, seja vender gravatas, literatura erótica, o jornal Völkischer Bebachter - o que leva a ter problemas com os ex-amigos, comunistas, com quem havia anteriormente partilhado uma causa comum, em que acreditava. Resta-lhe a venda de atacadores - as pessoas sempre precisam deles - conjuntamente com um tio de Lina, até este abusar da confiança que nele depositava, chantageando e ameaçando uma viúva, que Franz havia feito feliz a troco de algum dinheiro. Franz, que tem uma fé inabalável no lado bom das pessoas, não faz mais que beber desabridamente durante semanas antes de conseguir regressar novamente à sua vida e reatar o seu relacionamento com as pessoas.
Conhece então um homem, de nome Reinhold, um pequeno gangster que exerce sobre ele um estranho fascínio, um fascínio tal que leva Franz a fazer um insólito acordo com ele. Fica com as mulheres que este já não deseja, pois Reinhold cansa-se depressa das suas mulheres. É quase patológico. Primeiro, tem de fazer a conquista, custe o que custar, e depois abandona-a súbita e brutalmente. Sente-sedesconfortável com isso e tem dificuldades em fazê-lo. Mas Franz - que Reinhold repara estar de algum modo fascinado por ele, e o julga consideravelmente estúpido - livra-o das suas mulheres: primeiro uma, depois outra, mas quando chega uma terceira, Franz recusa. Chegou a hora de Reinhold aprender a manter uma relação estável. Franz deseja ajudar Reinhold, e chega à conclusão que ele não consegue entender isto e se sente insultado. É assim que as coisas são. Pouco tempo depois, algo sucede, por acaso, em que Franz está envolvido. Um trabalho que julgava ser uma simples entrega de fruta e que subitamente descobre tratar-se de um roubo. Mantém-se atento e tenta em vão fugir. Após o roubo, Franz está sentado com Reinhold num carro, quando subitamente Reinhold pressente estarem a ser seguidos. Agora o medo de Reinhold junta-se à raiva para com Franz. E então ocorre algo que se assemelha a uma sequência de sonambulismo. Reinhold atira subitamente Franz para fora do carro. Franz é atropelado pelo veículo que seguia atrás, e aparenta realmente estar morto. Mas Franz Biberkopf não está morto. Perdeu apenas o seu braço direito. A sua ex-namorada, Eva, e o seu chulo ajudam-no a repor-se. E sem o braço direito. Regressa à cidade, onde trava conhecimento com um pequeno gangster, para quem faz alguns trabalhos que o colocam numa posição financeira relativamente desafogada. É então que Eva lhe leva uma rapariga. Franz chama-a Mietze, e cedo se revela que esta começa a prostituir-se por Franz. Franz aceita a situação, e por algum tempo ambos são felizes. Amam-se. Mas Reinhold intromete-se entre eles, encontrando Mietze várias vezes, até finalmente a assassinar. Franz é condenado pelo crime e enviado para um manicómio, acabando por se transformar num cidadão que pretende ser útil à sociedade. Irá provavelmente transformar-se num nacional-socialista. O encontro com Reinhold foi a sua ruína, a sua degradação.”
Em primeiro lugar quis mostrar o que sabem os alemães – ou melhor, “o Alemão”, digo-o assim pois realmente conheço os alemães -, a matéria de que os alemães são feitos. Como uma ideia como o fascismo - ainda que discutível, mantenho o que penso - os conduziu a algo como o nacional-socialismo, e quanto a isso não há margem para discussão.
Em “Berlin Alexanderplatz” há uma introdução a uma dessas personagens, até emergir finalmente a história entre dois homens. Mas o que sucede entre eles, e como ambos lidam com os outros e se arruínam juntos, é uma história bastante entusiasmante.
Em relação a Franz Biberkopf não se trata da sua morte, mas da morte do anarquista que existe dentro dele. Naturalmente, não é um anarquista na acepção total, porque a anarquia, aos meus olhos, tem sempre a ver com a consciência. O elemento anarquista em Franz é algo bastante pueril, inconsciente, e que fenece. Ele renasce, e nessa perspectiva trata-se de um renascimento como um ser humano normal, medíocre, com muito pouco em comum com o velho Franz Biberkopf, que viveu várias fases altamente contraditórias. Por exemplo, imediatamente antes da luta com os comunistas, quando começa a gritar por paz e ordem, apesar de ser uma pessoa que rejeita totalmente a paz e ordem. Ao invés, torna-se no exemplo clássico de um filisteu alemão. E é por isso que optei por que ele acabasse como nazi. No início, ele poderia ter simpatizado por alguns aspectos do nacional-socialismo, socialmente interessantes, tal como podemos achar a igreja católica interessante e atractiva, com todos os símbolos e por aí em diante. Mas nunca seria um membro normal do partido, como foram tantos neste país. Muito pelo contrário, teria adoptado uma atitudediferente da esmagadora maioria em relação ao nacional-socialismo, estou certo disso, mas acaba como um daqueles que irão muito provavelmente aderir ao partido.
Os elementos que no começo provavelmente apenas irão despertar medo nas pessoas irão, espero, também despertar nelas uma sensibilidade para com a história alemã. E isso é essencial e necessário. Porque se a história alemã for de novo reprimida, algo começará novamente a germinar sob a superfície. Como ninguém se conseguiu reconciliar com o Terceiro Reich. Na minha opinião o Terceiro Reich não foi de forma alguma um acidente histórico, mas um desenvolvimento lógico da história alemã. E a democracia pós-1945 opera através de muitas atitudes que tiveram um papel importante no Terceiro Reich, no que diz respeito à educação e autoridade.
Rainer Werner Fassbinder, 1980
Berlin Alexanderplatz
Realização: RWF
Direcção de produção: Peter Märthesheiner
Produção: Bavaria Atelier/RAI/WDR, 1979
Argumento: RWF, baseado no romance de Alfred Döblin
Guião: RWF
Fotografia: Xaver Schwarzenberger (cor)
Direcção artística: Helmut Gassner, Werner Achmann e Jürgen Henze Montagem:Juliane Lorenz
Duração: 13 episódios (81’ 58’ 59’ 59’ 59’ 58’ 58’ 59’ 59’ 59’ 59’ 59’) e 1 epílogo (111’)
Intérpretes: Günther Lamprecht (Franz), Gottfried John (Reinhold), Barbara Sukowa (Mieze), Hanna Schygulla (Eva), Franz Buchreise (Meck), Claus Holm (Landlord).
Realização: RWF
Direcção de produção: Peter Märthesheiner
Produção: Bavaria Atelier/RAI/WDR, 1979
Argumento: RWF, baseado no romance de Alfred Döblin
Guião: RWF
Fotografia: Xaver Schwarzenberger (cor)
Direcção artística: Helmut Gassner, Werner Achmann e Jürgen Henze Montagem:Juliane Lorenz
Duração: 13 episódios (81’ 58’ 59’ 59’ 59’ 58’ 58’ 59’ 59’ 59’ 59’ 59’) e 1 epílogo (111’)
Intérpretes: Günther Lamprecht (Franz), Gottfried John (Reinhold), Barbara Sukowa (Mieze), Hanna Schygulla (Eva), Franz Buchreise (Meck), Claus Holm (Landlord).
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